segunda-feira, 23 de março de 2009

Crítica da Folha de S. Paulo

Crítica/teatro/"Inveja dos Anjos"

Armazém faz jogo eficiente entre palavra e imagem Grupo confirma sua maturidade em apresentação no Festival de Curitiba

LUIZ FERNANDO RAMOS
ENVIADO ESPECIAL A CURITIBA

O teatro contemporâneo coloca-se a dificuldade de encontrar formas de contar histórias que escapem dos modelos dramáticos convencionais. Este é um traço comum que o espetáculo "Inveja dos Anjos" tem com muitas outras produções experimentais brasileiras.
O que se destaca nesta premiada criação da Cia. Armazém é a felicidade com que se combinam, em sua dramaturgia, as partes dialogadas em que uma ação dramática se desenvolve e cenas mais líricas, com falas menos funcionais ou fundadas na visualidade.
No início, há o despojamento de um palco quase vazio. O único elemento marcante é um trilho que cruza toda a cena e faz uma curva para cima, prosseguindo até o teto e criando um eixo vertical. Um dos personagens narra o encontro que viu, de sua janela, entre um carteiro e um homem sem braço. Logo, este aparecerá descendo pelo trilho como se andasse perpendicularmente sobre ele.
Esta combinação de referências trazidas pelo discurso falado, que remetem aos personagens e suas histórias, e de cenas que falam por si e interagem fisicamente com o que vinha sendo proposto à imaginação do público se repetirá até o fim. É um procedimento que se revela eficiente, pois, se a princípio os personagens são vagos e não identificados e a trama em que se perdem é remota, ao final, eles se tornam plenos de vida, e suas sagas, adensadas pelas várias camadas de dados, objetivos e poéticos, se apresentam cristalinas.
O encenador Paulo Moraes, que aqui é também, ao lado de Maurício Arruda Mendonça, dramaturgo, e, ao lado de Paula Berri, cenógrafo, propõe uma discussão sobre a potência criativa, seja aquela que resulta em obras, livros e espetáculos, seja a que se explicita na vida, e no fado que cada ser humano constrói para si.
Dois personagens -o do escritor que tenta colocar no papel o vivido para tentar dar sentido a ele e o do mágico que busca viver os seus sonhos, tentando transformar em realidade as ilusões da prestidigitação- são exemplares da tensão entre o que parece possível e o que de fato se realiza.
Temperando os dois polos, há o carteiro que viola correspondências e faz o cruzamento entre o que se escreve e o que se vive. As personagens femininas -a garçonete abandonada, as filhas rejeitadas e as mães enlouquecidas- propiciam as definições que irão explodir o que era previsível e transformar os destinos.

Elenco afinado
A Cia. Armazém tem uma trajetória de quase 20 anos e, há mais de dez, trabalha em condições ideais com sede própria e subvenção segura. Um espetáculo como "Inveja dos Anjos" honra as apostas que se fizeram na companhia e confirma sua maturidade.
Além da direção de Paulo Moraes, aqui mais do que nunca um dramaturgo que encena, ou que escreve diretamente no espaço, ainda conciliado com a palavra, não se teria alcançado esse nível sem a qualidade homogênea de seus atores e atrizes, em que excede o talento de Patrícia Selonk. Seu trabalho é de causar inveja nos anjos.

Avaliação: bom

sábado, 28 de fevereiro de 2009

"Ou seja, a dor, a doença, ela está escrevendo no seu corpo alguma coisa que está acontecendo em você". (Patrycia Travassos no Alternativa Saúde)

- ai. que vergonha de postar isso!
encostanoacosta A história é uma violência com a memória.

domingo, 22 de fevereiro de 2009

Parto

Não, não o dia que eu estiver grávido e for ter o meu filho. Digo o meu parto,sabe? O dia em que eu nasci. Isso. A primeira vez que eu vi vocês.

sexta-feira, 20 de fevereiro de 2009

"Chove", email que recebi agora

Chove por aqui. E sempre que chove, parece que faz tanto tempo.E eu faço plágios sem nem me importar. Nós nos formamos e a festa parecia um revival do São Gonçalo, até a Dora e a Gláucia foram. Eu descobri o Little Joy, eu sempre gostei mais do Amarante, eu sempre soube. Mas o CD "sou" do Camelo é muito bom. Acho que eu tenho um espírito meio parecido com aqueles músicas e acho tão natural uma canção ter assobios. No meu MP3, Doce Solidão dele vem logo antes da Don't you look back da Mallu: acho tudo subliminar.Minha mãe não fez prato inovador na virada do ano. Tive minha primeira experiência no trabalho de alguém me pedir pra alterar um documento. Interessante. Como vai a sua avó? Estou começando a ler Ian McEwan. Chaplin definitivamente acaba comigo.Labirinto do Fauno é um dos filmes mais bonitos que já vi. Márcia Tiburi é um dos livros mais difíceis que já li. Eu descobri que pequi dá dentro da fruta igual a abacate. O mesmo baque de quando eu soube que algodão dá no pé.Ontem eu me esqueci de quais eram os 5 reinos dos seres vivos da biologia e num relance contemplei como num filme do Bergman a face seca do tempo.Todas as mulheres deviam usar o cabelo Channel uma vez na vida. Esses dias presenciei no elevador a conversa de duas velhinhas. E elas se congratulavam felizes porque apesar de tudo ainda piscavam. Isso me fez pensar sobre o porquê de quase não se achar perfume de alfazema.

(Sinto saudades suas.)

Um beijo,

segunda-feira, 16 de fevereiro de 2009

Guia Semanal de Idéias

Segunda

Não achei a Távora mas vi o King Kong na
pracinha. Análise. Leu-se e comentou-se que o
regime não vai cair. Clímax alencariano das Duas
Vidas.

Terça
Parque Lage com Patinho. Yoga. Sopa chez avó.
Di do Glauber. Traduzi 5 p de masturbação até
encher o saco.

Quarta
Fingi que não era aniversário. Almoço em
família. Saidinhas à tarde com e sem Tutu. Não
me aclamaram no colégio como se esperava. Saí
deixando pistas com a psicóloga.

Quinta
Passei para os alunos redação com narrador
sarcástico. Último capítulo de Duas Vidas.
Encontro PQ na portaria e vamos ao chinês.
Conversa de cerca-lourenço, para inglês não ver.

Sexta
Bebericamos depois do filme polonês. Quarto
recendendo a chulé e sutiã. Guardados. Voltei no
aperto, mas não tão mole.

Sábado
Cartas de Paris. Disfarcei-me de nariz para
enganar PQ. Casas da Banha. Cheguei cedo,
parei em frente à banca das panelas.

Domingo
Lauto café à beira-mar. Mímicas no ônibus.
Emoção exagerada, demais, imotivada. Dildo
ligou, pobre. Darei bola? Anoto no diário
versinhos de Álvares de Azevedo. Eu morro, eu
morro, leviana sem dó, por que mentias. Meu
desejo? Era ser… Boiar (como um cadáver) na
existência! Mas como sou chorão, deixai que
gema. Penso em presentinhos, novos
desmentidos, novos ricos beijos, sonatilhas.
Contínuo melada por dentro.


Ana Cristina César

referência para todas as nossas memórias, para nosso diário de bordo, nosso fragmento torto de uma torta ainda sem primeiro pedaço.

"Pelos Ares", música e vídeo de Adriana Calcanhotto

A incorporação foi desativada mediante solicitação

"Enquanto Isso Na Lanchonete", música de Vanguart




Pensei que ela
fosse um dia mais diferente
do que esses dias
que eu costumo viver

Pensava ela no casamento
Eu no futebol
Era dezembro ainda me lembro
o sol

Ela dizia que parecia uma despedida
Calçou os sapatos, vestiu minha roupa
Já não cabia mais
Enquanto isso na lanchonete

Ela dizia que parecia uma despedida
Calcei os sapatos, vesti sua roupa
Já não cabia mais
Enquanto isso na lanchonete
Os dois se encontravam
E renascia

Pensava ela na alegria
Eu no feriado
Ela dizia que esquecia
Não acredito não

Ainda me lembro era domingo.

"Inveja Dos Anjos", peça da Cia. Armazém de Teatro




Memória é o que eu uso para escapar da vida e para estar nela. Palavra é o que eu uso para escapar da vida e para estar nela. Viver é escapar. A vida, por exemplo, escapa. Durmo para não estar vivo e, portanto, sonhando, me sentir mais vivo. O tempo passar é o que me impede de estar aqui agora. Eu quero estar aqui, agora. Entrego tudo que tenho a um homem que passa, num carro que passa. Me deito na calçada. Durmo.

"Dead Leaves And The Dirty Ground", vídeo de White Stripes por Michel Gondry

"September", música de Earth Wind & Fire




Do you remember the 21st night of september?
Love was changing the minds of pretenders
While chasing the clouds away

Our hearts were ringing
In the key that our souls were singing.
As we danced in the night,
Remember how the stars stole the night away

Ba de ya - say do you remember
Ba de ya - dancing in september
Ba de ya - never was a cloudy day

My thoughts are with you
Holding hands with your heart to see you
Only blue talk and love,
Remember how we knew love was here to stay

Now december found the love that we shared in september.
Only blue talk and love,
Remember the true love we share today

Ba de ya - say do you remember
Ba de ya - dancing in september
Ba de ya - never was a cloudy day

Ba de ya - say do you remember
Ba de ya - dancing in september
Ba de ya - golden dreams were shiny days

(mas eu juro que, no lugar de "ba de ya", eu ouço cantarem "party on"...)

- música da nossa memória 1

Para dentro da mala, coração.


"Little Bit", vídeo de Lykke Li

Little Bit


Referência para nossa memória 1

Para uma avenca partindo

Olha, antes do ônibus partir eu tenho uma porção de coisas pra te dizer, dessas coisas assim que não se dizem costumeiramente, sabe, dessas coisas tão difíceis de serem ditas que geralmente ficam caladas, porque nunca se sabe nem como serão ditas nem como serão ouvidas, compreende? Olha, falta muito pouco tempo, e se eu não te disser agora talvez não diga nunca mais, porque tanto eu como você sentiremos uma falta enorme dessas coisas, e se elas não chegarem a ser ditas nem eu nem você nos sentiremos satisfeitos com tudo que existimos, porque elas não foram existidas completamente, entende, porque as vivemos apenas naquela dimensão em que é permitido viver, não, não é isso que eu quero dizer, não existe uma dimensão permitida e uma outra proibida, indevassável, não me entenda mal, mas é que a gente tem tanto medo de penetrar naquilo que não sabe se terá coragem de viver, no mais fundo, eu quero dizer, é isso mesmo, você está acompanhando meu raciocínio? Falava do mais fundo, desse que existe em você, em mim, em todos esses outros com suas malas, suas bolsas, suas maçãs, não, não sei porque todo mundo compra maçãs antes de viajar, nunca tinha pensado nisso, por favor, não me interrompa, realmente não sei, existem coisas que a gente ainda não pensou, que a gente talvez nunca pense, eu, por exemplo, nunca pensei que houvesse alguma coisa a dizer além de tudo o que já foi dito, ou melhor pensei sim, não, pensar propriamente dito não, mas eu sabia, é verdade que eu sabia, que havia uma outra coisa atrás e além das nossas mãos dadas, dos nossos corpos nus, eu dentro de você, e mesmo atrás dos silêncios, aqueles silêncios saciados, quando a gente descobria alguma coisa pequena para observar, um fio de luz coado pela janela, um latido de cão no meio da noite, você sabe que eu não falaria dessas coisas se não tivesse a certeza de que você sentia o mesmo que eu a respeito dos fios de luz, dos latidos de cães, é, eu não falaria, uma vez eu disse que a nossa diferença fundamental é que você era capaz apenas de viveras superfícies, enquanto eu era capaz de ir ao mais fundo, você riu porque eu dizia que não era cantando desvairadamente até ficar rouca que você ia conseguir saber alguma coisa a respeito de si própria, mas sabe, você tinha razão em rir daquele jeito porque eu também não tinha me dado conta de que enquanto ia dizendo aquelas coisas eu também cantava desvairadamente até ficar rouco, o que eu quero dizer é que nós dois cantamos desvairadamente até agora sem nos darmos contas, é por isso que estou tão rouco assim, não, não é dessa coisa de garganta que falo, é de uma outra de dentro, entende? Por favor, não ria dessa maneira nem fique consultando o relógio o tempo todo, não é preciso, deixa eu te dizer antes que o ônibus parta que você cresceu em mim de um jeito completamente insuspeitado, assim como se você fosse apenas uma semente e eu plantasse você esperando ver uma plantinha qualquer, pequena, rala, uma avenca, talvez samambaia, no máximo uma roseira, é, não estou sendo agressivo não, esperava de você apenas coisas assim, avenca, samambaia, roseira, mas nunca, em nenhum momento essa coisa enorme que me obrigou a abrir todas as janelas, e depois as portas, e pouco a pouco derrubar todas as paredes e arrancar o telhado para que você crescesse livremente, você não cresceria se eu a mantivesse presa num pequeno vaso, eu compreendi a tempo que você precisava de muito espaço, claro, claro que eu compro uma revista pra você, eu sei, é bom ler durante a viagem, embora eu prefira ficar olhando pela janela e pensando coisas, estas mesmas coisas que estou tentando dizer a você sem conseguir, por favor, me ajuda, senão vai ser muito tarde, daqui a pouco não vai mais ser possível, e se eu não disser tudo não poderei nem dizer e nem fazer mais nada, é preciso que a gente tente de todas as maneiras, é o que estou fazendo, sim, esta é minha última tentativa, olha, é bom você pegar sua passagem, porque você sempre perde tudo nessa sua bolsa, não sei como é que você consegue, é bom você ficar com ela na mão para evitar qualqueratraso, sim, é bom evitar os atrasos, mas agora escuta: eu queria te dizer uma porção de coisas, de uma porção de noites, ou tardes, ou manhãs, não importa a cor, é, a cor, o tempo é só uma questão de cor não é? Por isso não importa, eu queria era te dizer dessas vezes em que eu te deixava e depois saía sozinho, pensando também nas coisas que eu não ia te dizer, porque existem coisas terríveis, eu me perguntava se você era capaz de ouvir, sim, era preciso estar disponível para ouvi-las, disponível em relação a quê? Não sei, não me interrompa agora que estou quase conseguindo, disponível só, não é uma palavra bonita? Sabe, eu me perguntava até que ponto você era aquilo que eu via em você ou apenas aquilo que eu queria ver em você, eu queria saber até que ponto você não era apenas uma projeção daquilo que eu sentia, e se era assim, até quando eu conseguiria ver em você todas essas coisas que me fascinavam e que no fundo, sempre no fundo, talvez nem fossem suas, mas minhas, e pensava que amar era só conseguir ver, e desamar era não mais conseguir ver, entende? Dolorido-colorido, estou repetindo devagar para que você possa compreender, melhor, claro que eu dou um cigarro pra você, não, ainda não, faltam uns cinco minutos, eu sei que não devia fumar tanto, é eu sei que os meus dentes estão ficando escuros, e essa tosse intolerável, você acha mesmo a minha tosse intolerável? Eu estava dizendo, o que é mesmo que eu estava dizendo? Ah: sabe, entre duas pessoas essas coisas sempre devem ser ditas, o fato de você achar minha tosse intolerável, por exemplo, eu poderia me aprofundar nisso e concluir que você não gosta de mim o suficiente, porque se você gostasse, gostaria também da minha tosse, dos meus dentes escuros, mas não aprofundando não concluo nada, fico só querendo te dizer de como eu te esperava quando a gente marcava qualquer coisa, de como eu olhava o relógio e andava de lá pra cá sem pensar definidamente e nada, mas não, não é isso, eu ainda queria chegar mais perto daquilo que está lá no centro e que um diadestes eu descobri existindo, porque eu nem supunha que existisse, acho que foi o fato de você partir que me fez descobrir tantas coisas, espera um pouco, eu vou te dizer de todas as coisas, é por isso que estou falando, fecha a revista, por favor, olha, se você não prestar muita atenção você não vai conseguir entender nada, sei, sei, eu também gosto muito do Peter Fonda, mas isso agora não tem nenhuma importância, é fundamental que você escute todas as palavras, todas, e não fique tentando descobrir sentidos ocultos por trás do que estou dizendo, sim, eu reconheço que muitas vezes falei por metáforas, e que é chatíssimo falar por metáforas, pelo menos para quem ouve, e depois, você sabe, eu sempre tive essa preocupação idiota de dizer apenas coisas que não ferissem, está bem, eu espero aqui do lado da janela, é melhor mesmo você subir, continuamos conversando enquanto o ônibus não sai, espera, as maçãs ficam comigo, é muito importante, vou dizer tudo numa só frase, você vai ......... ............ ............. ............ .......... ........... ............. ............ ............ ............ ......... ........... ............ ............ sim, eu sei, eu vou escrever, não eu não vou escrever, mas é bom você botar um casaco, está esfriando tanto, depois, na estrada, olha, antes do ônibus partir eu quero te dizer uma porção de coisas, será que vai dar tempo? Escuta, não fecha a janela, está tudo definido aqui dentro, é só uma coisa, espera um pouco mais, depois você arruma as malas e as botas, fica tranqüila, esse velho não vai incomodar você, olha, eu ainda não disse tudo, e a culpa é única e exclusivamente sua, por que você fica sempre me interrompendo e me fazendo suspeitar que você não passa mesmo duma simples avenca? Eu preciso de muito silêncio e de muita concentração para dizer todas as coisas que eu tinha pra te dizer, olha, antes de você ir embora eu quero te dizer quê.


Caio Fernando Abreu
Oi, amado.
oi, caio!